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Pesquisar é preciso, inovar também é preciso

última modificação 05/12/2018 09h32
É possível ser pesquisador quando se é treinado para isso. A produção de dissertações, teses e artigos capacita o estudante na sistematização do conhecimento

O Instituto Federal do Ceará fechou a sua primeira década de existência. Dentro dessa nova institucionalidade, a pesquisa se fortaleceu e está contagiando cada vez mais professores, alunos e técnicos da Instituição.

A seguir, a nossa entrevista de estreia com um dos professores pesquisadores da Casa que deram o norte desse longo caminho, Elias Teodoro da Silva Jr., 51, engenheiro e docente da área de Computação (Departamento de Telemática). Ele nos conta sobre o início de sua atuação como pesquisador, relembra ações pioneiras em favor da área e conta como está seu dia a dia entre a sala de aula e o Laboratório de Inovação Tecnológica - LIT.  

CCS- Quando e como você sentiu vontade de ser pesquisador?

Professor Elias - Quando era estudante da graduação [na Universidade Federal do Ceará]. Tinha feito o curso técnico em Eletrônica na Escola Técnica Federal da Bahia e fui trabalhar no Departamento de Física da UFC. Lá tinham um laboratório de Instrumentação Eletrônica para ajudar nas pesquisas. A gente dava suporte, programava esses computadores. Nesse ambiente, tive contato com criar, desenvolver coisas novas. A gente fazia inovação. Percebi que era aquilo que eu queria continuar fazendo.

"Outra coisa interessante é que àquela época, final da década de 80, a grande maioria dos professores tinha doutorado. Isso pra mim era uma referência."

Outra coisa interessante é que àquela época, final da década de 80, a grande maioria dos professores tinha doutorado. Isso pra mim era uma referência. Conversava com eles para saber como havia sido a experiência de sair do país para fazer um doutorado e depois voltar para o departamento em que eram professores. Lembro do professor Josué [Mendes Filho], da Física, falecido, que nos estimulava e falava pra gente que queria ver o pessoal indo para o doutorado e voltando para o laboratório... E outros, Evangelista [José Evangelista de Carvalho Moreira], Antônio José [da Costa Sampaio], para citar alguns. Foi ali que senti que isso era legal, que queria continuar.

 

CCS- Como você estimula seus alunos a pesquisarem? Como essa semente é plantada em sala de aula?

Professor Elias - Procuro fazer isso nas disciplinas possíveis, como agora na de Projetos de Sistemas Embarcados. Mas eu diria que essa disciplina é uma exceção. Pelo modelo que a gente organiza os nossos cursos, elas [as disciplinas] são muito estreitas, focadas só numa parte do conhecimento. Cria uma certa limitação para o professor ou o aluno fazer o que a pesquisa precisa: se espalhar no conhecimento para depois dizer “é nessa direção que quero ir”. As disciplinas tradicionais já têm um foco definido... e muito conteúdo. Daí quebra uma coisa importante para o pesquisador que é ele achar que pode mudar o mundo. Se eu não consigo provocar esse sentimento no aluno, não tem pesquisa, porque não tem motivação. Ele só vai fazer o que um pesquisador faz se sentir paixão.

CCS- Então a pesquisa precisa de vocação...

Professor Elias - Tem vários componentes para a gente acreditar que a pessoa vai conseguir fazer a pesquisa que está propondo. Um deles é essa paixão. Achar que isso pode, de alguma forma, mudar o mundo. Mas a pessoa também precisa ser treinada. É claro que algumas pessoas conseguem fazer isso sozinhas... Mas vai ser mais fácil se ela for treinada num jeito de olhar, de descrever e de pensar sobre o problema. Existem ferramentas, e essa é a razão de ser de um mestrado e de um doutorado. Você se submete a um treinamento para aprofundar um certo conhecimento, fazer com que seus resultados sejam confiáveis. Vocação eu não diria, mas precisa despertar essa vontade. Não acho que só mentes brilhantes podem fazer pesquisa. É como no futebol: você vai ter os craques e as pessoas que jogam bem, mas qualquer pessoa pode jogar futebol.

CCS- Você integra um grupo de pioneiros na implantação de uma cultura da pesquisa na Instituição, no campus de Fortaleza. Quais ações pioneiras nessa área você destacaria?

Professor Elias - A Instituição era bem menor no final da década de 90, com alguns professores com mestrado e só uns dois ou três com doutorado. Então uma comunidade que entendia a pesquisa era minoria. Mas havia vários vetores que empurravam a Instituição nessa direção de criar uma cultura de professores pesquisadores.

Poderia destacar algumas ações. Teve um encontro pedagógico, e o tema foi pesquisa. Alguns professores que tinham [feito o] doutorado fora do Brasil falaram das suas experiências, no sentido de nos ajudar a trilhar esse caminho, a acreditar que poderíamos ser uma Instituição que faz pesquisa.

"Hoje a ação mais forte no sentido de fazer a pesquisa crescer é permitir que se criem e se consolidem programas de pós-graduação."

Teve também eventos menores para envolver os estudantes e profissionais que trabalham aqui, tipo feiras e eventos tecnológicos, em que os estudantes apresentavam coisas produzidas sob a orientação de professores. Mesmo que não fosse pesquisa com grande inovação, era uma experiência de produzir em laboratório.

Mesmo que não fossem eventos sistemáticos, isso criou nos estudantes interesse em participar desse tipo de atividade e nos professores com mestrado da Instituição o de ter um cantinho no laboratório para desenvolver uma pesquisa além de dar aula, o que era o mais tradicional.

Outra ação importante foi incentivar professores nossos a fazer programas de mestrado e doutorado. À medida que eles voltavam com esse treinamento, buscavam usar o laboratório também para fazer pesquisa.

Hoje a ação mais forte no sentido de fazer a pesquisa crescer é permitir que se criem e se consolidem programas de pós-graduação. Quando se têm programas de pós-graduação, com professores reconhecidos pela Capes - no sentido de estarem aptos à orientação e cobrados no sentido de produzir resultados, aí você tem o círculo que alimenta a pesquisa: professores orientando um estudante numa pesquisa, eles vão produzir um resultado, tornar esse resultado público e isso vai contar ponto pra eles e, assim, vai se consolidando o processo.

CCS- Como vê a pesquisa na sua área, a Engenharia da Computação, no Brasil?

 

Professor Elias - A Computação é uma área universal. O que se ensina na Engenharia da Computação no Brasil é praticamente o que se ensina em qualquer parte do mundo. Quando se fala em pesquisa, de produzir coisas novas, existe um componente regional que infelizmente não nos favorece: é ter uma indústria consumidora de inovação. A indústria brasileira consome pouca inovação em Engenharia da Computação. Existe um certo mercado que não é muito grande, notadamente no centro econômico do País. Algumas dessas empresas estão aqui perto da gente, graças a alguns esforços pontuais, como o CESAR [Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife] da Universidade Federal de Pernambuco.

Professor Elias Teodoro em seu local de trabalho, o Laboratório de Inovação Tecnológica

A nossa região, em Fortaleza, no Ceará, ainda não consegue perceber não só a importância da Computação, mas da universidade para agregar valor sobre o produto. Isso é dificuldade cultural. A nossa indústria vive de reproduzir coisas que já foram consolidadas. Enquanto ela for essa indústria, ela não percebe a necessidade de fazer coisas diferentes, que a torne diferente no mercado e aumente o seu valor agregado.

Então, ser pesquisador da Computação hoje no Brasil significa produzir conhecimento que provavelmente vai ser usado no mercado internacional e não na indústria brasileira.  Tem uma parte da Computação que depende do computador que está na sua mão; qualquer um pode fazer, porque o computador que compro aqui é o mesmo que o pesquisador de uma universidade americana pode comprar. Não é supercomputação. São ideias. Então você consegue demonstrar essas ideias. Tem uma parte que depende de computadores mais pesados e da indústria de Eletrônica. E aí é bem difícil no Brasil competir nessa área.

Mas existe uma parte muito boa, onde os nossos pesquisadores conseguem trabalhar e publicar nas melhores revistas internacionais, competindo com sul-coreanos, indianos, chineses, americanos. Nossos, que eu digo, são brasileiros, e alguns deles são professores do Programa de Pós-Graduação do Instituto Federal do Ceará.

CCS- Hoje você atua mais efetivamente em dois grupos de pesquisa. Um com foco em Informática e outro em tecnologias assistivas...

Professor Elias - Tem essa área das tecnologias assistivas em que a computação é um meio para tornar a vida dos deficientes mais confortável, com mais autonomia. A gente fez algumas pesquisas nessa área e, no momento, estou procurando estudantes para novas pesquisas.

A outra área tem bastante utilidade para a indústria local. A gente tem usado para desenvolver produtos novos para a indústria brasileira. De uma forma mais leiga, é detectar falhas e defeitos de forma antecipada em máquinas e equipamentos industriais. É uma vertente de aplicação. E outra vertente é na linha de produção. Você tem uma linha de produção que fabrica algo e você pode procurar falhas nesses produtos. Se você produz tecido, por exemplo, você pode procurar por falhas de uma maneira automática, tornando toda uma produção mais rápida e com mais qualidade. Essa área tem atraído mais estudantes.

CCS- Como é a rotina de um professor pesquisador no campus de Fortaleza?

"Mas existe uma parte muito boa, onde os nossos pesquisadores conseguem trabalhar e publicar nas melhores revistas internacionais, competindo com sul-coreanos, indianos, chineses, americanos. Nossos, que eu digo, são brasileiros, e alguns deles são professores do Programa de Pós-Graduação do Instituto Federal do Ceará."

Professor Elias - Passo o dia no campus: ou no laboratório ou na sala de aula (da graduação ou da pós-graduação). No laboratório tenho que tirar um tempo para ler o que foi publicado de mais novo, num congresso da minha área na Malásia, por exemplo. Tenho que saber para ver o que tem a ver com o que meus estudantes estão fazendo ou o que estou pensando em fazer amanhã e eventualmente redirecionar o meu trabalho em função do que acabei de ler.

E também no laboratório tenho que acompanhar meus estudantes de mestrado, da graduação ou de iniciação científica, que ajudam os estudantes de mestrado. Um tempo para ver o que eles estão fazendo, motivá-los, ler o que estão escrevendo, treinar novos pesquisadores e passar pra eles a minha experiência. Divido o meu tempo entre preparar os estudantes, preparar minhas aulas de graduação e de pós e fazer essas aulas.

A gente, como pesquisador, tem que fazer também propostas de projetos de pesquisa. Anualmente, tenho que escrever um projeto e dizer para onde vão as minhas pesquisas. Vou lendo e alinhando na minha cabeça o que precisa ir sendo deixado de lado. O professor tem que estar na frente para descobrir aquela área, apresentar aos estudantes e motivá-los a fazer pesquisa naquela abordagem.

Reportagem: Márlen Danúsia (Fortaleza)